Não mais. Não vou entrar em um discurso filosófico-religioso, mas não consigo mais levar a vida sem a crença de que certas coisas acontecem sim por um motivo.
Estou em uma fase diferente. Cresci muito nesse último ano, aprendi muito e compreendi muitas coisas que aconteceram comigo ao longo dos últimos dois, três anos. É uma nova etapa em que me reencontrei em meus textos, em meus filmes, músicas, fotografias e desenhos ao passo que mergulho todos os dias em um mundo de exatas da minha graduação -que finalmente é algo que eu amo. Demorou para encontrar o equilíbrio entre esses mundos um tanto díspares, mas consegui.
E é engraçado que depois de tanto tempo resolvo entrar aqui justo hoje para ver que a última coisa que escrevi foi a exato um ano atrás. Te faz pensar em tudo o que você pode passar nesse tempo.
Já digo de antemão que esse não é um texto inspirador com tiradas inteligentes e todo perpicaz. É um desabafo mas não em um contexto melancólico. Sou eu reencontrando um velho amigo que há muito não encontro e com quem preciso compartilhar minha vida, afinal esse amigo é muito importante.
Em Janeiro fui para Florianópolis com um grupo de amigos que desde o Ensino Médio vejo pelo menos todo final de semana. Convivência é uma merda e depois dessa experiência sei que moraria apenas com um ou outro, mas a questão é que comecei meu ano bem. Estava rodeada por pessoas que amo e que conheço e que realmente considero como uma família. Nas posteriores sessões de terapia que eu teria que passar, descobri que esse é um dos instintos mais fortes em mim: preciso ter meus pontos de referência por perto, senão eu me perco em mim mesma. Qualquer pessoa que passe uma hora sequer comigo sabe que não estimo nada como minha família e meus amigos. Essa é minha instituição sagrada e esse é meu labirinto, o que mantém meu equilíbrio e meu bem-estar.
Em meu último dia em Santa Catarina, minha amiga Nicolle me acorda com uma ligação.
-Marcela, você passou!
-Quê? Como assim Nicolle?
-Passou, Mar! Unicamp!
E fiz o que eu não achei que faria. Chorei.
Sabe, prestei Arquitetura em quatro universidades e Engenharia Ambiental em uma. Até a Nicoll me ligar eu já tinha me acostumado com a ideia de fazer cursinho mais um ano. Chorei mais por alívio do que por realização, mas também senti a sensação de dever cumprido. Com todas as fibras do meu corpo achava que Arquitetura era para mim, mas ao passar somente em Engenharia não consegui não pensar 'Acho que é para ser isso então'.
Passar na Unicamp sendo de Campinas seria ótimo, não teria que pagar aluguel e estaria perto do meu ponto de referência, mas como nenhuma vida vale a pena ser vivida sem pelo menos um desafiosinho, meu campus é em Limeira. Quarenta minutos de viagem, mas mesmo assim é outra cidade, é outra vida, é sair de casa. Não tive problema com isso, inicialmente. Em 2011, por passar na UFSCar, morei com doze meninas em uma república, tomei mais trote do que vale a pena contar e aprendi mais do que achei que fosse ao juntar a morte do meu avô e do meu irmão com a realidade de morar fora enquanto veteranos te fazem crer que você é um ser inútil. Por isso pensei que tudo o que eu precisava saber eu já sabia.
Em Março mudei para essa casa em frente à faculdade. Em Abril passei um domingo em posição fetal no meu quarto chorando em uma crise de ansiedade, melancolia e pré-depressão. Em Maio voltei para casa e comecei a ir e vir de Limeira.
Eu realmente sabia o necessário para morar fora. Adoro cozinhar, arrumo meu espaço, convivo com meus amigos, não usava a escova de cabelo da minha room mate e pagava as contas em dia. O problema é que eu não sabia nada sobre mim. Em um acúmulo de tudo o que passei em 2011 e muitas neuroses que se incrustaram na minha consciência ao longo dos anos, entrei em um colapso que ainda hoje é difícil de definir. Não sabendo quem eu era, me apoiava em quem eu conhecia e ao me ver longe das minhas instituições sagradas tão familiares, a situação ficou insustentável. Nunca me senti tão perdida.O olhar nos rostos dos meus pais ao me encontrarem naquele domingo só não foi pior ao do dia em que meu irmão morreu. Eu precisava de ajuda, eu precisava falar, mas não sabia o que.
Parece algo pequeno ou não tão grave, mas foi o bastante para me levar para uma pscicóloga. Foi aí que as coisas começaram a mudar, a melhorar. Dia 10 de Abril. Tenho um quê com datas...
Nós crescemos ouvindo frases como 'Você tem que ser quem você é', 'Você não pode se importar com a opinião dos outros', 'Eu sou mais eu' mas conheci poucas pessoas que de fato levassem isso a sério. A maior parte do tempo nós não nos reconhecemos, nós não nos conhecemos. Vivemos à base do que é esperado de nós ou do que queríamos ser e não preciso explicar o quão errado isso é.
Me reprimi tanto e por tanto tempo que acredito que virei uma bomba atômica ambulante. Era questão de tempo para que eu entrasse em colapso. É interessante perceber o quanto sua própria mente pode virar-se contra você. A Mônica, minha psicológa, disse várias e várias vezes que eu sou meu maior inimigo e que tenho um inquisitor casado com minha consciência.
Não cresci em um lar destruído, não passei fome, sempre tive roupas, casa, boa educação, família, almoços de domingo, festas de aniversário com vários coleguinhas e aquele tênis horrível da Sandy. Mesmo assim minha mente achou um jeito de me levar à depressão. Não foi a morte do meu irmão, não foram os trotes, não foi morar sozinha e não foi o 1,5 em Geometria Analítica e Álgebra Linear. Foi o chicote mental que estalei nas costas da minha consciência que de algum modo dizia o quanto eu era inútil, o quanto eu tinha que aguentar as adversidades, o quanto eu sempre tinha que fazer mais, o quanto eu tinha que manter o discurso que ouço desde criança ('Ah, a Marcela é uma menina tão meiga, tão inteligente, tão esperta..' ou 'A Marcela vai longe, ela é esforçada!), o quanto eu tinha que ser forte pelos meus pais e pela minha irmã, o quão fraca eu era por chorar pelos trote enquanto a Tolima sobia nos freezers de cerveja e cantava o hino da UFSCar, o quão desajustada eu era por não conseguir fazer novos amigos, por não conseguir fazer aquele exercício de Física Apicada, por sempre sentir que eu era ingrata ao me sentir triste e angustiada quando eu tinha tudo o que eu poderia querer.
Não foram as situações, foi o modo como eu as encarei. Muitas vezes eu realmente só podia sentar e esperar ou mesmo chorar, mas eu me cobrava, tinha que ter força e ser indiferente. Por dois anos tentei ser o que não era, me preocupei demais com que os outros pensavam e vivia à base do que eu achava que me era esperado e do que eu achava que queria ser.
Parei de desenhar, quase não li livros ou vi filmes ou descobri novas bandas. Escrever era quase doloroso. Não conseguia mais me expressar e me sentia triste todos os dias.
Se depois de oito meses estou aqui conseguindo contar tudo isso é por conta da terapia e por conseguir me encontrar no caminho.
Ninguém nunca tinha me dito que sou uma pessoa sensível. Ninguém nunca disse que sou previsível e extremamente transparente. Descobri coisas que jamais pensaria sobre mim mesma e encerrei dois dos maiores dilemas da minha vida. Veja, sou muito ligada às artes mas adoro estudar exatas. E sou muito preocupada com o tempo. O fato de ter 20 anos e ainda estar no primeiro ano de graduação era algo tão frustrante para mim que era ridículo.
Bem, estamos agora em Julho. A melhora em mim por conta das sessões de terapia é latente e as férias chegaram. Penso comigo mesma se estou pronta para voltar para Limeira quando surge a oportunidade de um trabalho em Campinas. É mais um semestre indo e voltando de van todos os dias, mas é uma daquelas oportunidades únicas. É um desses sinais em que eu não acreditava.
O trabalho veio em um momento em que eu precisava ficar em Campinas, precisava encontrar meu lugar como a Marcela 2.0 e, enfim, ficar bem. Não foi um trabalho árduo. Eu conseguia estudar, ouvir música, ler meus livros. Voltei a escrever e dos meus desenhos saiu o mascote para a A.A.A. das Engenharias de Telecomunicações e Ambiental. Não fui em nenhuma festa no semestre, mas conheci muitas pessoas. Minha mãe disse que eu estava mais feliz, mais aberta. Um grande amigo chorou ao me reencontrar e ver que 'a nuvem negra foi embora'. E, bem, eu ganhava mais do que eu deveria, acho. Sem precisar pensar muito, decidi guardar 75% do salário para poder viajar ano que vem. Tenho um pai que morou até na Jordânia lá nos anos 80 e herdei dele uma sede insaciável em conhecer o mundo.
Não vou dizer que não fico triste, que em alguns momentos os resquícios daquela depressão vêm de tal forma que entro em pânico por medo de voltar àquele estado. Mas, é, sou outra pessoa. Ou uma versão melhor do que eu era. Sei que nunca vou conseguir me mudar, só precisava de uns ajustes, de mais auto-respeito.
Portanto eu vejo agora o quanto pode acontecer em um ano. Sua vida pode mudar, você pode se redescobrir, você aprende um novo jeito de ver o mundo e de respeitar seu próprio tempo. Essas coisas que parecem tão simples e banais mas que demandam exercício e determinação para que sejam realizadas.
Estamos agora em Dezembro. Meu tempo no trabalho acabou e uma poupança vai me levar à Alemanha no próximo ano -eu espero-. O semestre acabou, nenhuma dp e muitas esperanças para o próximo ano: morar com uma amiga, continuar as aulas de alemão com o Veit, de fato começar minha vida universitária.
Esses últimos anos foram feitos de sinais, de 'era para ser assim'. Os acontecimentos foram muito bem costurados para que tudo o que eu tive que aprender fosse definido em uma jornada.
Há um ano atrás escrevi um texto um tanto inconclusivo, um tanto perdido. Termino com uma pergunta que representa muito do que passei: Estou?
Finalmente posso dizer que sim, estou.
"I learned that living is hard. That my depression would constantly make me feel like my lungs were filled with dark water and my legs made out of melting wax. That I was going to have to try harder than most, every single day of my life. But I also learned that the fight is worth it. I mean, life is cheese pizza, rain drop races, and fathers with hearts coated in gold. It is love and faith, and though there might not be much we can do about how horrible Mountain Dew is, life is worth sticking around for a second or two. I learned that living is hard.
But I learned that dying is much, much harder."